Mário Lange de S. Thiago
Definido que o Espiritismo propicia a aliança da filosofia e da religião, conforme averbou Allan Kardec, em seus próprios termos, conclui-se pela “distrovérsia” (neologismo necessário), podendo-se firmar-lhe na origem um aspecto religioso, na linha de pensamento interpretativo de Herculano Pires.
Entretanto, se uma definição é insuficiente para a compreensão de disciplina tão abrangente, o seu alargamento precisará firmar-se em princípios explicitadores de todas as suas nuances. Assim é que, sem o fenômeno (mediúnico) não haveria Espiritismo. Tudo o mais é decorrente desse fato, a partir dele, instituindo-se um conceito, para formular-se a teoria espírita. Então, abolido o horizonte material para o Espírito, alargou-se o campo de visão, partindo-se da ciência para a filosofia, permitindo-se ainda, à mente humana avançar um passo na escalada de compreensibilidade da causa primeira.
Vejamos, portanto, o que resultou desse diálogo com os Espíritos, entendendo-se que estes somos nós mesmos em outra dimensão. Plantava-se nova base para o autoconhecimento e o animismo, mas, antes, para o conhecimento do que está ao nosso redor, por isso que, deduzia-se sobre a existência de um fio condutor entre os planos visível e invisível, cujo nome de batismo é fluido (expressão da física contemporânea a Allan Kardec, designando forças percebidas, mas não controladas), talvez o último baluarte positivista a desvendar. Desde logo, pode-se dizer que o novo conhecimento dialógico se estendia além da mediunidade, porquanto também se revelava um novo mundo de convivências para os humanos, num continuum, em alternância palingenética. Desse somatório de informações classificadas mediante metodologias evidenciadoras brotam três princípios que resumem o aspecto científico do Espiritismo: a transcomunicabilidade, a transcontinuidade e a pluralidade de existências. Só que as coisas não acabam aí, tendo-se provado, afinal, que já estamos vivendo a eternidade, a superação do tempo e do espaço, do relativismo.
Enganar-se-ia quem pensasse, assim, sobre a desvalia de nossa experiência existencial, que começa e acaba. De nenhum modo. Tudo se revela, por evidente, pelo despertar da consciência (onde moram as leis naturais e morais), que não é mero conhecimento reducionista, da matéria, mas que se alarga na inversão do infinito em nossa vida interior, onde está Deus, o espírito, o amor, a inteligência suprema. De onde vim, para onde vou… são perguntas de perplexidade filosófica (thauma) que já não assustam tanto, posto que a imortalidade demonstrada permite dar sentido à vida, que é movimento. Tudo pronto, agora, para o desfile do aspecto filosófico do Espiritismo, cujo denominador semântico é o princípio da mutabilidade. Percebendo-se na interexistência, redobram-se os humanos esforços para aprimorar a práxis da condução essencial da existência sequenciada, marcando posições em sucessão evolutiva: renovação mental (ou caridade). Seu principal obstáculo é o “si mesmo”, em face do qual reconhecerá o adversário a ser amado. Máxima complexidade, onde o falso não prospera, nas prestidigitações. Não haverá vencedores (humildade) nem vencidos (orgulho), só instrumentos cortantes, mas amigos provocadores do progresso.
Enfim, a última etapa principiológica leva-nos paradoxalmente ao princípio, que é o princípio espírita da divindade. Neste momento é que desponta o aspecto religioso do Espiritismo, que nos dá conta de um Deus evolutivo nas nossas consciências, um ser sem identidade dogmática, porquanto em permanente evolução cognitiva. Nosso porto seguro, para o qual aponta a filosofia espírita, considerando a escala espírita da questão 100, de O Livro dos Espíritos, não está marcado pela tranquilidade das águas, senão por uma intermitente agitação aperfeiçoadora das defesas e, em definitivo, do caráter individual, fonte imprescindível para o desenvolvimento social.