Nestes últimos meses, como tantas outras pessoas, fiquei um pouco mais em casa. Assim como “tantas outras pessoas”, aprendi que existem séries filmadas, muitas do meu interesse, relatando como se fossem livros vivos, memórias extraídas dos registros akashicos, assinaladas sobretudo pela Teosofia. São obras cinematográficas sobre a história da humanidade, as que me refiro. Na verdade, são estudos atualizados pela pesquisa especializada de grandes acontecimentos, que estão na base da civilização contemporânea. Através deles, pode-se tudo aprender sobre a antiguidade, desde os tipos de habitação, vestuário, culinária, instrumentos os mais diversos; a navegação; a medicina; os mitos e a religião; a convivência, retratada nos costumes, na relação entre povos, na linguagem, sexualidade, na organização da propriedade, da família, do governo, da moeda, da produção, das trocas, dos meios de locomoção… e armas.
Desse modo, em tantas temporadas e tantos episódios, estive entre os Wikings, quase de corpo presente, sentindo o frio da Escandinávia e desejando ultrapassar os fiordes alagados e gelados, em busca de recursos a qualquer preço, para a sobrevivência, e novas terras aráveis em clima mais ameno. Em certa medida subjetiva, também participei da violência para ter e me estabelecer em território invadido, em face de minhas necessidades naturais decorrentes da vida. Competi nas relações comunitárias pela posse, pela posição social, pelo poder. Matei seres humanos até, nesse afã e pelo direito de vingança, exercido como condição de honradez e nobreza.
Agora, estou assistindo “Ressurrection – Ertugrul”, uma série que refaz a trajetória turca, etnia que veio dos confins do Mar Aral, em condição nômade, para fixar-se na Anatólia. Vejo o mesmo desenrolar da vida, necessidades e soluções, apesar das diferenças de tempo e espaço geradores da moldura cultural.
Entretanto, tenho experimentado a perplexidade, daí o presente artigo, pela rara exposição ao público não iniciado em ciências sociais, da natural epopeia interexistencial das humanidades visível e invisível. A literatura espírita no Brasil deve a Herculano Pires, em “O Espírito e o Tempo”, a contundente constatação de “que as superstições dos selvagens, as suas práticas mágicas, não eram nem podiam ser de natureza abstrata, imaginária. Decorriam, como tudo na vida primitiva, de realidades positivas e de fatos concretos, conhecidos naturalmente dos selvagens, como sempre foram e são conhecidos dos homens civilizados, em todas as épocas e latitudes da terra”. Entre os autores estrangeiros, cabe destacar Ernesto Bozzano, italiano, e o seu “Povos Primitivos e Manifestações Supranormais”, um clássico, onde se pode ler inúmeras referências dos mestres da Antropologia à crença dos povos, desde os mais antigos, na imortalidade da alma. Dentre os citados por Bozzano, os reconhecidos nas esferas científicas E. B. Tylor, Grant Allen, Brinton, Goblet d’Alviella, Powers, Herbert Spencer, Andrew Lang e tantos outros, destaco Thomas Huxley: “Há povos selvagens sem um Deus no verdadeiro sentido da palavra, mas não os há, em nenhum momento, sem espíritos”. E é exatamente esta a constatação que se pode fazer nos filmes das séries. Não se trata de uma referência isolada. Tanto quanto entre os Wikings, também entre os turcos, já convertidos ao islamismo, em meados do século XIII, ou entre os seus contemporâneos e adversários mongóis, politeístas, as produções cinematográficas descrevem o quotidiano mediúnico. Odin, o deus mitológico, entrou para a história como um personagem inventado, uma absurda representação imaginária e sem conteúdo histórico dos povos nórdicos da Europa. Mas, ali na série é retratado na sua condição de realidade espiritual, sempre consultada no dia a dia, através de intermediários, conhecidos como médiuns na linguagem espírita. Entre os mongóis invasores, o ritual fetichista, o predomínio das obsessões e da prática da adivinhação, que era uma intromissão indevida e maléfica nos negócios humanos. A religião islâmica, monoteísta, nos primeiros tempos, entretanto, repetia a comunicação mediúnica, não mais em rituais extravagantes, em processos de exploração do ectoplasma, mas através de manifestações de espíritos superiores. São comoventes as reuniões sufis, sempre cheias de sabedoria, sob a liderança dos sheiks e a participação dos dervixes. Fenômenos medianímicos os mais diversos, mostrando quão produtivo é para os encarnados esse intercâmbio consciente com os chamados mortos.
Parabéns à produção cinematográfica que, em boa hora, pretende reescrever a história espiritual da humanidade.
Mário Lange de S. Thiago