No mês em que a Federação Brasileira comemora 100 anos da Evangelização Espírita da Infância, entendemos ser válido recordar a história da educação da criança, ainda que de forma muito simplificada, pois rever o passado é uma forma de decifrar o presente e, ao fazer conexão com a mensagem espírita, possamos compreender e aprender superar os desafios presentes no mundo atual.
Na Antiguidade, a educação infantil era confiada às mulheres, especialmente às mães, ainda que o critério educativo fosse definido pelo pai, inclusive determinar se a criança deveria permanecer viva. Com a ascensão do cristianismo ocorreram algumas transformações, ainda que lentas, marcadas com o surgimento de instituições voltadas para “a guarda de crianças”, então denominadas Escolas Maternas, que atendiam, em suas origens, às crianças pobres ou filhos ilegítimos dos nobres. Nos dias atuais, as escolas maternais abrigam crianças de zero a seis anos de idade (berçários, creches, jardins de infância, cursos pré-primário).
Estas instituições [escolas maternas] eram arranjos alternativos para prestar cuidados para crianças em situações desfavoráveis […]. Na Idade Antiga, as crianças eram deixadas em “rodas” – cilindro oco de madeira, giratório, que eram construídas em muro de igreja e hospital de caridade […], Na Idade Média e Moderna, a responsabilidade do recolhimento ficava ao cargo das entidades religiosas.[…].
Nos séculos XV e XVI, surgem novos modelos educacionais, criados para responder os desafios estabelecidos pela a maneira como a sociedade europeia então se desenvolvia. No período Renascentista ocorreu o desenvolvimento científico, a expansão comercial e as atividades artísticas [que] estimularam o surgimento de nova educação sobre a criança e sobre como deveriam ser educada. Autores como Erasmo (1465–1530) e Montaigne (1483-1553) sustentavam que a educação infantil deveria respeitar sua natureza, estimular a atividade da criança e associar o jogo à aprendizagem.1
Com o advento da Revolução industrial (1760 a 1840) e as contínuas guerras e revoluções, as crianças foram submetidas a sérias privações, transformando-se em vitimas dos maus tratos, da pobreza e do abandono. Em busca de solução que pudesse amenizar esse estado de coisas, foram organizados serviços (em geral por mulheres) de atendimento às crianças abandonadas e aos órfãos, cujas mães despendiam muitas horas nas fábricas, e os pais, ou se encontravam nos campos de batalhas, onde eram abatidos ou, se sobrevivessem, retornavam à cidade de origem mutilados ou gravemente enfermos. Nessas condições, as crianças ficavam entregues “Deus dará”.
As crianças carentes de 2 a 3 anos eram incluídas nas charity schools [escolas de caridade] ou écoles de petites [escolas dos pequenos], criadas na Inglaterra, França e nos países europeus, segundo o ideário dos movimentos religiosos dá época. Não havia uma proposta instrucional formal, então, logo passaram adotar atividades de canto, de memorização, de rezas e alguns exercícios que poderiam ser uma pré-escrita. Estas atividades voltam-se para o desenvolvimento de bons hábitos de comportamento, regras morais e de valores religiosos.1
As crianças com idade superior aos três anos, órfãs ou não, eram entregues a asilos denominados “escolas infantis” (infant shool ou nursery school, na Inglaterra), mantidas sob rigoroso regime disciplinar, caracterizado por cega obediência aos guardadores, que submetiam as crianças a severos e irracionais princípios morais, com obrigação de trabalharem arduamente para se manterem na instituição que as asilou. Em tais organizações, turmas de 100 a 200 crianças eram submetidas, usualmente, à palmatória e a outros castigos físicos e psicológicos, como forma de “moldar o caráter”. Em consequência, delitos e ações criminosas foram cometidos em nome da educação. A propósito, informa a educadora Zilma Gama Oliveira: “nas salas dos asilos parisienses, que foram logo disseminadas pela Europa e chegavam até a Rússia, era frequente que grupos de até cem crianças obedecessem a comandos dos adultos dados por apitos.”2
No Brasil, por volta da década de 1970, as operárias iniciaram a luta para a criação de creches nas fábricas, um espaço onde as crianças seriam assistidas enquanto a mãe trabalhava. Em 1988 a educação infantil passou a ser reconhecida no cenário nacional, fazendo parte da Constituição e, após 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8069/90), especifica-se o atendimento a crianças de até seis anos de idade em creches e pré-escolas. A situação atual da educação infantil no Brasil é precária, revelando-se longo caminho a ser percorrido, principalmente quando se considera que apenas 18,4% da população de 0 a 3 anos estão matriculados em creches. Na pré-escola, a situação é melhor: cerca de 80% dos brasileiros de 4 e 5 anos estão na escola.
Os postulados espíritas, por outro lado, jamais se descurou da importância da educação na edificação do caráter, definida como condição prioritária à formação do homem de bem, que é o campo de atuação da evangelização espírita da infância. Independentemente da educação intelectual que a criança, o jovem e o adulto devem adquirir, para o Espiritismo é preciso priorizar a educação moral. Allan Kardec vai além, inclusive, ao explicar o conceito de educação moral: “[…] Não nos referimos à educação moral pelos livros, e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, aquela que cria hábitos, uma vez que a educação é o conjunto de hábitos adquiridos. […],”3, afirma Allan Kardec.
Esta Revestido da sabedoria que lhe é peculiar, Emmanuel assinala a necessidade de bem educar as nossas crianças, alertando-nos a respeito da educação no lar, hoje tão negligenciada:
Preconiza-se na atualidade do mundo uma educação pela liberdade plena dos instintos do homem, olvidando-se, pouco a pouco, os antigos ensinamentos quanto à formação do caráter no lar; a coletividade, porém, cedo ou tarde, será compelida a reajustar seus propósitos.
Ao pais humanos têm de ser os primeiros mentores da criatura. De sua missão amorosa, decorre a organização do ambiente justo. Meios corrompidos significam maus pais entre os que, a peso de longos sacrifícios, conseguem manter, na invigilância coletiva, a segurança possível contra a desordem ameaçadora. […].4
Importa considerar também que os textos da Doutrina Espírita, sejam os que se encontram na Codificação Espírita, sejam os transmitidos por Espíritos esclarecidos, por intermédio de médiuns reconhecidamente bons, jamais sugerem, ainda que indiretamente, a absorção de técnicas, recursos e metodologias pedagógicas disponibilizadas no mundo.
Os orientadores espirituais têm plena consciência de que tais propostas são transitórias — ainda que muitas delas sejam verdadeiramente meritórias —,adequadas aos usos e costumes de uma época, passíveis de serem acatadas hoje e rejeitadas amanhã, uma vez que não refletem a visão integral do ser imortal, preexistente e sobrevivente à morte do corpo físico. Assim, em mensagem enviada aos trabalhadores da FEB, Emmanuel analisa, de perto, a questão da evangelização, ao afirmar peremptoriamente:
Nada mais útil do que o esforço de evangelização, na atualidade, e é dentro dessa afirmativa luminosa que precisamos desenvolver todos os nossos labores e pautar todos os pensamentos e atitudes. As transições terríveis e amargas do século têm sua origem na clamorosa incompreensão do exemplo do Cristo. O trabalho secular de organização das ciências positivas caminhou a par da estagnação dos princípios religiosos. Os absurdos contidos nas afirmações e negações de hoje são o coroamento da obra geral das ciências humanas, entre as quais, despojada de quase todos os seus aspectos magníficos da Antiguidade, vive a filosofia dentro de um negativismo transcendente. E o que se evidencia, aos amargurados dias que passam, é , de um lado, a ciência que não sabe e, de outro, a religião que não pode. […]
O nosso labor deve caracterizar-se totalmente pelo esforço de renovação das consciências e dos corações, à luz do Evangelho. Urge, pelos atos e pelos sentimentos, retirar da incompreensão e da má-fé todas as leis orgânicas do código divino, e aplicá-las à vida comum.O vosso sacrifício e o vosso esforço executarão o trabalho regenerador, mas necessário é não vos preocupeis com os imperativos do tempo, divino patrimônio da existência do espírito. À força de exemplificação e apoiados nas vossas convicções sinceras, conseguireis elevadas realizações, que farão se transladem para as leis humanas as leis centrais e imperecíveis do Divino Mestre.
Esse é o grande problema dos tempos. […].
A alma humana está cansada de ciência sem sabedoria e, envenenado pelo pensamento moderno, o cérebro, nas suas funções culturais, precisa ser substituído pelo coração, pela educação do sentimento. O Evangelho e o trabalho incessante pela renovação do homem interior devem constituir a nossa causa comum. Procuremos desenvolver nesse sentido todo o nosso esforço dentro da oficina de Ismael, e teremos encontrado, para a nossa atividade, o setor de edificação sadia e duradoura.5