Mário Lange de S. Thiago
Entre as ocupações que me preenchem a vida intelecto-moral, em especial, está a de compreender o que é o Espiritismo. Claro que sempre me reporto a Allan Kardec, posto que é a ele que devemos a construção desse edifício gnosiológico, à conta dos novos conhecimentos que auriu na observação e experimentação do mundo espiritual e no diálogo que manteve com os Espíritos (leia a nota à questão 76, de O Livro dos Espíritos para entender por que escrevi com letra maiúscula).
Assim, essa atividade conceitual deve necessariamente fundar-se em sua definição mais explícita e geral: “uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal” (inserta no Preâmbulo do livro O que é o Espiritismo, de Allan Kardec). Não se trata, portanto, a priori, de uma disciplina relacionada à teologia arrimada em escritos antigos, sobre os quais se organizaram seitas e religiões ou, por outro lado, uma filosofia social. Em O Livro dos Espíritos, este título é antecedido pela expressão “Filosofia Espiritualista”. Em O Livro dos Médiuns a expressão preferida foi “Espiritismo Experimental”, mas a Revista Espírita foi epitetada como “Jornal de Estudos Psicológicos”.
A riqueza do Espiritismo logo se demonstra nesses enunciados introdutórios, sobretudo no primeiro, que refere à Filosofia, esta que é uma reflexão sistemática e crítica da ação (axiologia) e do conhecimento (epistemologia e metodologia), conforme Antônio Xavier Teles, revolucionando também a metafísica (ontologia). Mas, não é uma filosofia materialista, nem uma filosofia fideísta: trata-se de uma filosofia na perspectiva muito objetivamente demonstrada do Espírito, ou seja, os próprios seres humanos desencarnados (e encarnados, por óbvio). Então, a compreensão filosófica do Espiritismo espraia-se por um vastíssimo “novo mundo”, incomensurável nas possibilidades evolutivas do ser humano, redefinido como imortal, temporariamente ligado a um corpo mortal, através do qual proveio, adquiriu identidade e individuação. Fortalece-se esse entendimento justamente no caráter experimental do Espiritismo, que se vale das instruções dos Espíritos, metodologicamente reunidas, mas que se debruça, com o progresso da ciência humana, na pesquisa das correlações espírito/matéria. E vai além dessa física/metafísica para embrenhar-se na raiz mesma da necessária aglutinação científica da Psicologia com a Moral, abrindo espaço para uma nova compreensão das relações de convivência. Na realidade, o Espiritismo apaga a linha do horizonte.
Entretanto, a definição oficializada pelo egrégio fundador não se basta, abastecendo-se em reforço conceitual constante, na busca de uma expressão que fosse mais além das comprovações positivas. Era necessário penetrar desde logo o espírito dessa ciência nova, que era ciência mesmo (!), no sentido tradicional de pesquisa de evidências das ciências materialistas, porque tratavam e tratam da matéria. Vieram sinais. Conciliando-se com a religião, pela coincidência do objeto de estudo, ajustou-se que fora da caridade não há salvação. Não é uma frase solta. Trata-se de um conceito moral inserido em um contexto de procura científica em universo paralelo (fluídico). Para prosseguir nela, era preciso trocar de ânimo, pensar e sentir diferente, adotar uma atitude dadivosa antes de qualquer ação. Ao Espiritismo não seria indiferente, no seu próprio processo científico positivista, provado que há Espíritos, conhecer-lhes as condições de imanência.
Então, o pesquisador precisaria transformar-se para reconhecer a sua descoberta, a sua verdade, no encontro do pensamento com a realidade. Ora, segundo a escala espírita (questão 100, de O Livro dos Espíritos), é necessário inverter a regra de prevalência ôntica entre o espírito e a matéria, desta sobre aquele. Desapegos e tudo o mais que revele o ser dadivoso à imagem e semelhança da perfeição, que não possui adversários, internos ou externos.
Não tenho dúvidas de que as principais confirmações científicas do Espiritismo foram a imortalidade da alma, a lei do retorno evolutivo e a caridade.