Não é aceitável epistemologicamente possa alguém refutar a atuação inteligente na formação da natureza. Vá lá que não se compreenda a questão do bem e do mal, por deficiência na percepção metafísica. Mas, a constatação de uma inteligência suprema, porque anterior a tudo, seja o que for, na particularidade dos conceitos relativistas, como causa primeira, salta aos olhos. Nem estou me referindo ao design inteligente, que não é o caso. É o simples reconhecimento de que o Caos já se extinguiu ou nunca existiu, manifestando-se a vida, em ondas sucessivas, pelo não tempo.
Então, nada é por acaso, e a eternidade sempre deu tempo ao tempo, posto que, tudo tem seu tempo certo. Às vezes são endemias, outras vezes epidemias, poucas vezes pandemias. É assim que o curso natural sofre os efeitos necessários de seu próprio processo, mas, não sendo reconhecido e sendo negado quando a natureza é humana. Se na amplitude de Urano e na extensão de Gaia valem o determinismo das leis naturais, fruto de um psiquismo somente reconhecido sem discussão nos mitos, à identidade psíquica humana não se atribui a energia participativa, ainda que ela seja perceptível nos mecanismos psicossomáticos e na profundidade quântica da matéria, que empolga a incerteza influenciável. Mas, é claro que os eventos afligentes da humanidade têm a ver com essa causa, que lhes é eficiente.
Assim, seja com fundamento mecânico, inclusive quando resultado da transgressão ambiental, seja na circunstância do epifenômeno, o espírito humano participa do fluxo natural em que está inserido. O que não são aceitáveis são os argumentos que atribuem a essa participação um efeito punitivo. Essa linguagem de lei no estrito senso criminal não tem mais cabimento.
No campo da metafísica, enquanto ciência do espírito, as responsabilidades somente podem ser apuradas quando o sujeito ativo tem a consciência livre em relação a atos, que são ações objetivas, e atitudes, que são ações subjetivas. Quer-se dizer que, não apenas gestos e palavras influenciam ao nosso redor, mas, também, os pensamentos e as emoções. Incumbe ao ser humano, nesta quadra evolutiva, descobrir a sua parte na obra da criação.
Entretanto, na apreciação da pandemia, que vem assolando os quatro cantos do mundo, a ciência enxerga o ser humano como vítima, que de fato também é. O vírus, assim como, as bactérias e outros agentes mórbidos são preexistentes, e a universalidade das patogenias revela que a doença só merece consideração enquanto conceito, faceando a realidade do doente. Daí a crítica situação da medicina quando enclausurada em protocolos, na expectativa de aplicabilidade do padrão, sobretudo tecnológico, sem aferição clínica afetivamente aprofundada.
Tratar desse tema é muito delicado, porquanto se percebe que o ser humano é responsável pela felicidade e pela infelicidade em sua vida, na exata proporção de sua evolução consciencial, vale dizer do espírito. Nisso se compreende certa metafísica da saúde, na qual também o médico deve ser treinado para compreender e incluir no tratamento que vier a ministrar. Por enquanto, a maior parte desse contexto temático vai merecendo, como aqui, uma abordagem abstrata, um tanto alienada do jour le jour médico. Porém, à medida que se desenvolvem os conhecimentos da ciência do espírito, vai sendo possível fazer os links necessários à compreensão dos princípios de uma nova medicina, a ciência aplicada à prevenção da saúde, ou à sua restauração.
A pouco e pouco, a humanidade necessariamente vai invertendo a sua escravidão às imposições de limites materiais na existência. Construiu o que temos chamado de civilização, uma cultura avançada em arte e conhecimento que se globaliza. De tal sorte se revolucionou a comunicação, que se aproxima a unidade estética e gnosiológica planetária. Tudo é muito ligado e a sensação do tempo se encurtou.
A transição, que é uma condição permanente da história, se acelerou. Afrouxaram-se em consequência as regras de restrição às liberdades irrefletidas, gerando-se uma sociedade líquida em nível mundial, ressalvadas as ilhas de autoritarismo, que podem se expandir à conta da resistência. Mudam os hábitos, mudam os costumes e os desejos de prazer, de produção e consumo. Ainda que libertada de antigas limitações morais, a sociedade mundializada viu-se sutilmente auto conduzida e prisioneira de sua autonomia fake. Extrema ironia, que subordina o espírito à matéria, na relativização das suas potências psíquicas.
Paralelamente à evolução das estâncias biológicas, há uma dinâmica de expansão da mente humana, que se pode designar por evolução moral. Não fora esse mecanismo garantidor da imunidade espiritual, o processo evolutivo em curso admite percussões reajustadoras.
Está, pois, aberto um novo campo de observações e pesquisas no plano das correlações espírito/matéria, inclusive e sobretudo, na cogitação de ser o espírito portador de energias psíquicas adquiridas palingeneticamente, cujas vibrações possam afetar-lhe a mente e o corpo. Nesse trabalho será necessário recuperar as bases éticas da ciência, sem o que a nova ciência não prosperará, posto que se alimenta na condição psíquico-moral do observador.
Mário Lange de S. Thiago
Original publicado no www.conversandocomoprofessor.com.br